Há 35 anos, a quase falida Record era comprada por Edir Macedo

Não havia uma placa de VENDE-SE na Avenida Miruna, 713, mas todo empresário bem esclarecido sabia que Silvio Santos estava querendo se desfazer dos 50% das ações da Record, uma vez que em 1981 havia fundado o SBT, de sua inteira propriedade. Por um acordo firmado em outubro de 1976, ele só podia mandar nas finanças da empresa - a família Carvalho cuidava da parte artística - limitação que para um homem ousado como ele, não deixava de ser constrangedora. Livre da Record, Silvio poderia investir tudo em sua rede.

Em 1983, no trigésimo aniversário da #TVRecord, o Marechal da Vitória e dono do #gruporecord, Paulo Machado de Carvalho, já não tinha a mesma disposição de outrora. Aos 82 anos, ele queria salvar a empresa de um fim melancólico. Paulo era grato ao apresentador, mas chegou a hora de arrumar outro sócio. Não sonhava que a esperança estaria nas mãos de um antigo desafeto: João Havelange.

Assim que soube que o cartola da Fifa seria o intermediário das negociações entre seu sócio #silviosantos e Nascimento Brito, então dono do Jornal do Brasil, o Marechal não teve dúvida: tirou o seu velho terno marrom e postou-se em frente à emissora.
Mas a transação, avaliada em US$ 23 milhões, não saiu do papel. Silvio estava se preparando para embolsar a grana quando soube por terceiros que a rede mexicana Televisa estaria envolvida na negociação (Havelange era amigo pessoal de Emílio Azcárraga, presidente do grupo). Pela legislação brasileira, empresas de comunicação não podia receber investimentos estrangeiros, mas o apresentador sabia do exemplo da Time-Life (grupo americano que investiu na #tvglobo na década de 1960) e achou melhor não correr riscos. Não interessava a ele vender suas ações da Record a uma empresa tão forte como a Televisa. Já bastava a Globo para tirar o sono.
O impasse nas negociações praticamente selou o fim do Grupo Paulo Machado de Carvalho. Afundado em dívidas, sem dinheiro para novos investimentos e trabalhando ao lado de um sócio que não via a hora de se livrar das ações, Paulo Machado chamou o filho Paulinho de Carvalho, os netos Paulito (hoje diretor do Grupo Jovem Pan) e Alfredinho e jogou a toalha:
- Está na hora de vender a Record. Façam um bom negócio.
Ao longo dos anos, a Record chegou perto de ser comprada por vários grupos empresariais, mas quase todas esbarraram no jeito pouco ortodoxo de negociar de Sílvio Santos, que muito lembrava o de Pipa Amaral, cunhado de Paulo Machado e ex-sócio da Record, cujas ações foram compradas por Silvio na década de 1970.
Mas Silvio não teve chance de barganhar quando em outubro de 1989 chegou na Avenida Miruna o empresário Alberto Haddad, ligado ao PRN, partido do então candidato à presidência, Fernando Collor, com uma proposta irrecusável. Dizendo ser representante de uma nova corporação, que ele mantinha em sigilo. Haddad pediu autorização ao Paulinho e a Luiz Sandoval, presidente do Grupo SS, para fazer uma auditoria nas contas da Record. Garantiu que independentemente do tamanho da dívida do grupo, os dois sócios (família Carvalho e Silvio Santos) receberiam uma fortuna pela venda.
Uma semana depois, quando foi informado que a Rádio e TV Record valia US$ 50 milhões e que US$ 23 milhões seriam gastos para saldar dívidas, Haddad apresentou a oferta: seu cliente oferecia US$ 45 milhões. Descontados os passivos e a parte de Silvio, a família Carvalho embolsaria mais de US$ 10 milhões, nada mal para uma emissora que estava à beira da falência. Paulinho desconfiou das boas intenções de Haddad, mas viu que o negócio era sério quando o empresário prometeu dar US$ 1 milhão de entrada assim que o negócio fosse fechado.
Sílvio não se deslumbrou com a oferta de Haddad, uma vez que era candidato à presidente, mas pressionado por Paulinho, que exigia uma posição do Grupo SS em relação à oferta milionária, bateu o martelo, mas antes queria saber quem era o empresário misterioso que estava disposto a desembolsar US$ 45 milhões para assumir um grupo endividado e desestruturado como a Record. Alberto Haddad abriu o jogo: seu cliente era a Igreja Universal do Reino de Deus.
A declaração de Haddad chocou Silvio Santos. Um grupo evangélico forte como a IURD era capaz de capitalizar qualquer emissora, ainda mais a TV Record, que tinha nome e tradição. Mas se a transação não fechasse, de onde ele tiraria dinheiro para investir no SBT? Com oito anos no ar, o Sistema Brasileiro de Televisão ainda não dava lucro – seu endividamento equivalia a três meses de faturamento de suas emissoras.
No dia 9 de novembro de 1989, o pastor Odenir Laprovita Vieira ("laranja" de Edir Macedo) assinou o cheque de US$ 1 milhão, o sinal prometido por Haddad. Ninguém comemorou. Paulinho, o filho Paulito e o sobrinho Alfredinho ainda não tinham tomado coragem de contar ao patrono da Record que a partir dali a emissora começava a sair de suas mãos – a venda só seria concretizada com o pagamento das próximas parcelas, nos meses seguintes. Já Silvio ficou uma semana sem sorrir (o recorde de sua carreira) – sua candidatura à presidente acabava de ser impugnada (anulada) pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Pelo acordo firmado no dia da assinatura do contrato, a IURD só teria autonomia nas decisões operacionais do Grupo Record quando a última prestação, de US$ 5 milhões, fosse paga em janeiro de 1990. Porém, na Avenida Miruna, a transição corria na velocidade da luz. Cada estúdio ou sala era transformado num templo evangélico. Cid Sandoval, chefe da equipe de cinegrafistas, não entendeu nada quando uma senhora de cabelos longos e saia cobrindo os joelhos foi colocada ao seu lado sem maiores explicações.
Os pastores estavam é de olho nos programas jornalísticos. Era período de eleição presidencial. Os dois candidatos do segundo turno, Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, disputavam os votos dos indecisos. A IURD apoiava publicamente Collor e tentava mudar radicalmente a linha editorial da Record, que, até ali, apesar da antipatia da família Carvalho pela candidatura Lula, estava em cima do muro durante toda a campanha.
O primeiro programa a sofrer interferência dos bispos foi o Record em Notícias, conhecido como o “Jornal da Tosse”, comandado pelo veterano Hélio Ansaldo. Os novos sócios tentavam convencer Ansaldo a mudar a pauta do noticiário, mas só conseguiram quando o jornalista deixou a emissora e foi substituído pelo também veterano Murilo Antunes Alves, um dos poucos funcionários que permaneceu na emissora.
O Programa Ferreira Neto virou palanque eletrônico de Collor. Quando os bispos assumiram a Record, o jornalista ficou ainda mais à vontade para atacar a candidatura Lula. No dia 12 de dezembro, cinco dias antes da eleição, Ferreira Neto recebeu Collor para uma conversa de compadres. O candidato cerrou os punhos, esmurrou a mesa e disse que ao contrário de Lula, colocaria o país nos eixos e não confiscaria a poupança dos brasileiros (sic). Porém, quando assumiu o cargo, ele e Zélia Cardoso fizeram o oposto...
O programa rendeu cinco pontos de audiência e uma bela dor de cabeça para a família Carvalho. A executiva do PT queria saber porque Ferreira Neto não deu o mesmo espaço à Lula, que sequer foi convidado. O então presidente do TSE, ministro Francisco Rezek, ligou pessoalmente para a emissora exigindo direito de resposta ao candidato do PT. Lula, com comício agendado no Rio, recusou-se a participar do programa e enviou o deputado federal Plínio de Arruda Sampaio para representá-lo.
Durante todo o imbróglio causado pelo Programa Ferreira Neto, a família Carvalho ditou as cartas nas negociações com o PT e o TSE. Segundo a cláusula contratual, a Igreja Universal só responderia pelas decisões do Grupo Record quando quitasse a última prestação, em 5 de janeiro de 1990. Até lá, teria que dividir o comando com os antigos donos. No dia do vencimento da última parcela, a família Carvalho e Silvio Santos não viram a cor do dinheiro.
O pastor Laprovita Vieira, o mesmo que assinou o cheque de US$ 1 milhão de entrada, pediu uma dilatação do prazo para o pagamento. Porém, exigiu que nesse meio tempo, a IURD tivesse plenos poderes nas decisões operacionais da Record. Segundo Laprovita, não fazia mais sentido a Igreja Universal continuar subordinada aos filhos e netos de Paulo Machado, uma vez que já tinha sido quitado quase todo o valor da transação.
A família Carvalho desprezou o pedido do pastor. Se a última parcela não fosse paga, ninguém arredaria o pé da Avenida Miruna. O impasse se arrastou por dois meses, até que Alfredo de Carvalho, à beira da morte, chamou Alfredinho para uma conversa. O ex-diretor comercial da TV Record, que conhecia as contas da empresa como nenhum outro funcionário, fez o último pedido ao filho:
- Dá um jeito de vender a Record, Alfredinho. Eu peço em meu nome e de seu avô.
Em março de 1990, as negociações com os bispos foram retomadas. No escritório da Rua Jaceguai, no centro de São Paulo, sentaram-se à mesa Paulinho, Paulito, Alfredinho, diretores do Grupo SS e a cúpula da IURD. Quando se ensaiava mais um desentendimento entre as partes, um sujeito levantou-se irado da cadeira e jogou o cheque sobre a mesa:
- Meu nome é Edir Macedo. Vamos acabar com isso! Estão aqui os US$ 5 milhões.
Quando a Record passou oficialmente para as mãos da Universal, ninguém da família Carvalho teve coragem de comunicar a venda ao patrono da emissora. Coube ao diretor comercial da Rádio Record, Chico Paes de Barros, avisar Paulo Machado que aquela seria a sua última tarde no escritório do segundo andar da Avenida Miruna:
- Dr. Paulo, a Record acabou de ser vendida aos evangélicos.
- Lamento, meu filho. Ergui isso do nada, em 1931. Mas não havia mais o que fazer. Vamos para casa.
Logo que a IURD assumiu a Record, a primeira providência dos pastores foi retirar a imagem de Nossa Senhora Aparecida que o Marechal colocou na porta da emissora para proteger os funcionários. Assim que Edir Macedo livrou-se da santa, a agência do extinto Banco Nacional que funcionava dentro da emissora foi assaltada pela primeira vez. A Record nunca mais foi a mesma.
Paulo Machado de Carvalho faleceu em 8 de março de 1992, aos 91 anos.
(adaptado do livro O Marechal da Vitória)
Na foto abaixo: SS, Laprovita Vieira e Edir Macedo



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